José Luís Peixoto |
Gosto à brava deste escritor. Tem uma escrita tão simples e tão sem rodeios que parece que estamos numa conversa de fim de tarde.
É por isso que não perco uma crónica dele na revista Visão.
A desta semana “Papel, pedra, tesoura” tem algumas partes muito boas.
“Sei bem que ter medo não depende apenas de uma decisão (…). Sei que há indivíduos com bons motivos para o imobilismo, mas não me peçam para admirá-los. Não sou capaz. Prefiro os que tomam decisões. Dizem «sim» e é sim. Dizem «não» e já está, acabou-se. (…) o que está em causa não é tanto dizer sim ou não, o que está em causa é dizer, afirmar.”
“A convicção é nobre por natureza. Os convictos apaixonam-se e casam-se. Acreditam nos sentidos. Se sentem frio, não duvidam do frio e não duvidam de si próprios. Assim, conhecem momentos irrepetíveis. Ouvem «amo-te» nos lugares certos, dizem «amo-te» mil vezes e acreditam em cada uma delas. Essa é a parte que a população prefere. (…) os românticos dizem «ah, que bonito» e, de facto, é bonito.
Mas, na outra face, os convictos também terminam tudo sem um plim de hesitação. Quando se apercebem de que já terminou, não ficam à espera e transformam o fim em palavras e, depois, em actos. Neste ponto, a população tem pena, é caso para isso, mas a pena não deve ser dirigida ao fim em si, à separação, ao divórcio, mas à sucessão de erros e desencontros que tornou esse fim sensato.”
“Há demasiadas pessoas no mundo a mentirem a si próprias e a discutirem à frente dos filhos. É característico do humano sorrir mais no momento em que se planeia o destino da lua-de-mel do que quando se divide um caixas de papelão aquilo que foi escolhido em conjunto no Ikea, mas há razões com igual tamanho para cada um desses gestos.”
“(…) envelheces um dia por dia, cada dia a mais é um dia a menos.”
“Perante isto, pergunto-te: estás convencido de que cheguei a este dia sem convicções? És capaz de conceber que não acreditei em inúmeras ideias certas e erradas até chegar a este instante preciso? (…) Para te protegeres, poderás achar-me arrogante. És livre de pensares o que quiseres. Podes achar que estou cheio de mim próprio. Continuas a ser livre. Mas tanto eu como tu sabemos que não me conheces o suficiente para tirares essas conclusões com propriedade. Nos cafés que servem bagaço, costuma haver um azulejo onde está escrito: «se tens inveja do meu viver/ vai trabalhar malandro». Não é isso que te digo, também não te conheço o suficiente para te chamar malandro, mas digo-te: se tens inveja, é bem feito, mereces. Essa inveja há-de envenenar-te mais do que estes mosquitos miudinhos que andam aqui à minha volta a procurar, ingloriamente, um pedaço de mim que não esteja protegido por um repelente de insectos.”
1 comentário:
Fiquei sem palavras...O texto diz tudo.
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